Ora, esta situação, a confirmar-se, necessita de clarificação urgente. Recorde-se que, em 2011, o Governo anunciou a intenção de entregar às Misericórdias a gestão dos hospitais do SNS instalados em edifícios cuja propriedade pertence às Misericórdias. No ano seguinte, em declarações à comunicação social, o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, Fernando Leal da Costa, afirmou que o Governo pretendia entregar às Misericórdias cinco unidades em 2013, entre as quais se encontrariam as de Vila do Conde e da Póvoa de Varzim. Alguns meses depois, surgiram notícias referindo que estava na calha a transferência das unidades de Barcelos, Anadia, Ovar e Cantanhede. Agora, anuncia-se a intenção de transferir já nos próximos dias os hospitais de Fafe, Cantanhede, Ovar, Serpa, Anadia e Régua.
Seja qual for o plano do Governo, seria pertinente conhecê-lo e discuti-lo; uma mudança profunda como esta não pode ser feita nas costas das populações, do poder local, dos serviços de saúde nem da Assembleia da República. No entanto, é cada vez mais claro que este plano não existe, nunca existiu e que o Governo vai proferindo declarações avulso sobre o assunto, sem nunca dar a conhecer a planificação.
Recorde-se que em julho de 2012 foi constituído um grupo de trabalho com o objetivo de “analisar as condições de devolução às Misericórdias das unidades de saúde que se encontram sob gestão pública” (Despacho n.º 10016/2012 publicado em Diário da República, 2ª série, a 25 de julho de 2012). Este grupo deveria ter apresentado um primeiro relatório até ao dia 15 de outubro de 2012. Até ver, no entanto, nada se sabe sobre este relatório.
Sabe-se isso sim, que o Governo insiste na entrega de hospitais do SNS às Misericórdias. Esta situação tem motivado sucessivos e intensos protestos por parte das populações, conscientes do facto de que esta entrega significará uma perda para o serviço público acarretando menos cuidados de saúde. Como tal, compreende-se que o Governo nada tenha referido sobre este processo durante a campanha eleitoral mas que agora, volvido o período eleitoral, regresse a ele.
Refira-se igualmente que o Governo tem tentando sucessivamente criar um equívoco em torno da ideia de que está a “devolver” estes hospitais às Misericórdias. Ora, não é isso que está em causa: o Estado paga renda às Misericórdias pela utilização destes edifícios e continuará a fazê-lo. O que está a ser feito é entregar às Misericórdias a gestão de hospitais públicos do SNS.
O Bloco de Esquerda considera que o que é público deve ser gerido pelo público, o que é privado deve ser gerido pelo privado, o que é do setor social deve ser gerido pelo setor social. Não é lícito tentar-se ludibriar as pessoas passando a ideia de que tudo vai ficar na mesma depois de se “devolverem” estes hospitais às Misericórdias, pois isso não é verdade.
Acresce que a maioria destas unidades hospitalares se situa em cidades de pequena ou média dimensão (Régua, Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Cantanhede, Anadia, Montijo, Serpa, Famalicão, Ovar ou Valongo) pelo que a entrega da sua gestão às Misericórdias irá deixar estas populações mais desprotegidas no seu acesso à saúde pública.
A transferência para particulares da gestão de hospitais públicos comporta o risco de orientações e decisões divergentes e conflituantes com a matriz da gestão pública da rede de hospitais do SNS como, aliás, já hoje se verifica com evidência nos hospitais públicos em regime de parceria público privada (PPP). Não se vê qualquer vantagem para o Estado na entrega da gestão destes hospitais às Misericórdias, concessão que obviamente terá custos elevados para o Estado e que não são ainda conhecidos.
Atendendo ao exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda vem por este meio dirigir ao Governo, através do Ministério da Saúde, as seguintes perguntas:
1. O grupo de trabalho criado pelo Despacho n.º 10016/2012 que tinha como função “analisar as condições de devolução às Misericórdias das unidades de saúde que se encontram sob gestão pública” apresentou o primeiro relatório a 15 de outubro de 2012? Este grupo de trabalho entregou a versão final deste relatório?
2. O Governo confirma as notícias hoje publicadas segundo as quais, nas próximas semanas, irá entregar às Misericórdias a gestão dos hospitais de Fafe, Cantanhede, Ovar, Serpa, Anadia e Régua? Em caso de resposta afirmativa:
- Qual o valor de renda que o Estado paga atualmente às Misericórdias respetivas pelo arrendamento destes edifícios? Qual é o valor da renda que irá ser pago doravante?
- Quais os termos em que irá ser efetuada esta transferência de gestão?
- Os postos de trabalho de todos os trabalhadores (independentemente do seu vínculo) estão garantidos?
3. O Governo tem alguma planificação para a entrega da gestão dos hospitais públicos que funcionam em edifícios do SNS às Misericórdias? Qual é essa planificação? Quais são os custos associados a estas transferências?
4. O Governo está disposto a parar este processo e a manter os hospitais do SNS que funcionam em edifícios da Misericórdia geridos pelo SNS em vez de entregar a sua gestão às Misericórdias?