Morreu o sindicalista Manuel Graça (1953-2020)
Morreu este sábado o sindicalista Manuel Graça. Militante da LCI e do PSR, fundador do Bloco de Esquerda, Graça foi durante duas décadas o coordenador do Sindicato do Calçado, Malas e Afins do distrito de Aveiro.
Manuel Graça nasceu em 1953, em Oliveira de Azeméis, distrito de Aveiro, filho de operários da indústria vidreira. Perante as necessidades económicas e o despedimento do pai, começou a trabalhar com 10 anos de idade, numa fábrica de calçado. Por volta dos 17 anos começou a participar em atividades culturais, especialmente na associação ARCA, dedicando-se ao cinema e à poesia; foi aqui que conheceu alguma literatura conotada com a oposição ao regime fascista de então. Desde essa época familiarizou-se com ativistas de esquerda e pertenceu ao núcleo local da Liga Comunista Internacionalista. Cumpriu o serviço militar em 1974-75 na região de Lisboa e no movimento dos Soldados Unidos Vencerão. Enquanto membro do Movimento das Forças Armadas, teve um papel ativo junto do movimento associativo, experiência que o marcou profundamente na sua atividade sindical. Em 1976 regressa ao trabalho no calçado e desde finais dos anos 70 integrou a direcção do Sindicato do Calçado do distrito de Aveiro.
Na luta prolongada e vitoriosa pelas 40 horas semanais no setor, enfrentou um dos patronatos mais retrógrados do país, chegando a ser internado na sequência de graves agressões cujo autor moral, um industrial da região, acabou por ser condenado em tribunal. Num período marcado pela explosão das falências fraudulentas, em que milhares de trabalhadores eram deixados com salários em atraso e sem descontos pagos à segurança social, dirigiu ocupações e piquetes em empresas, evitando a remoção de equipamentos e matérias-primas no sentido de assegurar o cumprimento dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. Num setor altamente feminizado, a defesa da condição da mulher e da igualdade salarial foram sempre bandeiras do Sindicato do Calçado.
Membro do Conselho Nacional da CGTP, Manuel Graça foi voz de um sindicalismo crítico e combativo, interveniente nos debates sobre democracia no movimento operário. Em 1995, nas páginas da revista Combate, intervinha na polémica então aberta entre Boaventura de Sousa Santos e Álvaro Cunhal a propósito da renovação e da unidade na luta sindical. Escrevia já então Manuel Graça: "o que está a corroer os sindicatos é a corrupção [a grande fraude da UGT com fundos europeus era ainda recente], a falta de combatividade, a ausência de democracia interna, a falta de autoridade social, o controleirismo partidário e até a luta de cliques. Os sindicatos ou mudam ou morrem, ou representam os trabalhadores em toda sua diversidade ou esgotam-se".
Militante de uma vida inteira, Manuel Graça foi um exemplo de coragem e sensibilidade. Atingido por doença degenerativa, há quase uma década que Manuel Graça se encontrava retirado da intervenção.
Em função das medidas de combate ao Covid-19, as cerimónias fúnebres são reservadas à família de Manuel Graça.