Precisamos de um dia para dar visibilidade à parte da humanidade que é a maioria da população? Por si só, isso demonstra uma grande aberração na nossa sociedade. Já faz 109 anos desde a primeira celebração oficial do 8 de março e, infelizmente, a situação entre homens e mulheres permanece assimétrica.
Num artigo no mês passado[1], a ONU deixa isso bastante claro: apenas 22 países têm mulheres como chefe de Estado, e elas representam somente 24.9% das representações parlamentares. Além disso, as mulheres continuam a receber salários 11% menores do que os homens. Ainda segundo o artigo, com o ritmo atual, vamos precisar de mais 130 anos para atingir a igualdade de género. São mais 130 “8 de março”.
Em Portugal, a condição feminina melhorou[2] nas últimas décadas e apresenta hoje um quadro semelhante.[3] Uma particularidade a destacar é que há mais mulheres formadas no ensino superior que homens. Em 1998, elas representavam 56% dos diplomados, passando para 53% em 2018.[4]. Mais especificamente, elas são a maioria nas áreas de educação (80%), da saúde e proteção social (79%) e nas ciências sociais, comércio e direito (64%), além de outras. Mas são minoria nas ciências, matemática e informática (48%) e na de engenharia, indústrias transformadoras e construção (32%). Há aí uma nota negativa: essa distribuição, entres áreas ditas femininas e as ditas masculinas, pouco mudou desde 1998, o que demonstra uma lenta evolução das mentalidades.
Apesar desses atrasos, em 2017, as mulheres chegaram a ser maioria entre as pessoas empregadas em cargos no setor de ciência e tecnologia. Hoje, os números são mais baixos, mas com percentagens sempre mais elevadas do que a média da União Europeia.[5]
Seguindo essa tendência positiva, a parte feminina da população portuguesa com trabalho formal vem a ser maior desde 1974 (início da série histórica), de 40% para 49,3%[6] — quase a paridade. Mas o mesmo não se pode dizer a respeito dos salários. As mulheres ganham 15% menos que os homens na média nacional[7]. Aí também as coisas estão a demorar a mudar.
Na atualidade da pandemia de Covid-19, comentou-se várias vezes que as mulheres dirigentes tiveram melhor desempenho que os homens na gestão da crise. Um estudo[8]divulgado pela Harvard Business Review[9] investigou essa afirmação, referindo-se em particular a um artigo que mostra que os países com dirigentes femininas tiveram proporcionalmente menos mortes pela doença. Não apenas o artigo conclui que as mulheres efetivamente foram melhores dirigentes na crise, mas também explica que elas apresentam características que as tornam excelentes dirigentes em comparação com os homens: tomam iniciativas, são capazes de aprender mais rapidamente e inspiram mais os outros, entre outros fatores medidos. Os autores também enfatizam, com base noutra pesquisa deles, que essas características não são específicas da crise da Covid-19: na economia, as mulheres são melhores líderes em situações de crise.[10]
Na área política, em Portugal, de 1976 a 2019, o número de deputadas subiu lentamente (com uma ligeira aceleração em 2011, após a lei de paridade), passando de 5,7% a 38,7% da composição do Parlamento.[11] No setor privado, as estatísticas da Informa db[12] indicam que só 30% dos cargos de gestão e liderança nas empresas são ocupados por mulheres.
Todos os dias, as notícias alertam que a seguir à crise da Covid-19, vamos ter uma crise económica. Menos comentada agora, a crise climática também se faz cada vez mais presente. As crises vão chegar, e a situação tem de mudar. Já não temos mais tempo para outros tantos “8 de março”. Um país que precisa tanto de se modernizar, procurar novas soluções e lideranças para o seu futuro e estar preparado para as crises, não está a aproveitar o seu potencial, as suas mulheres.
Como vimos, no geral, há mais mulheres formadas que homens e elas mostram desempenho particular para gerir crises. No entanto, elas não estão a ser proporcionalmente empregadas em cargos de liderança de empresas e governo, apenas por razões de atraso das mentalidades.
Desde a sua criação, antes da lei da paridade em 2006, o Bloco de Esquerda sempre apresentou listas com mais mulheres como primeiras candidatas[13] [14] que outros partidos. Como consequência, por exemplo nas eleições para a Assembleia da República, o BE quase sempre teveparidade nos deputados representados.[15] No Bloco, sempre reconhecemos o valor, ideias e competências dos nossos militantes, independemente do sexo ou de qualquer fator que não seja relevante para seu trabalho (religião, orientação sexual, etc). Trabalhamos para que o que já existe no Bloco se reflita na sociedade. Já fizemos inúmeras propostas e continuamos a fazer outras nesse sentido (remuneração, licença parental, proteção das mulheres, apoio às mulheres na linha da frente na luta à covid). Queremos mudar as mentalidades. Queremos um país pronto para enfrentar as crises.
O BE não quer esperar mais 130 “8 de março”.
Carlos Filipe da Silva Costa: Doutor em fisica, Estudante de geopolitica, Suplente do BE Aveiro, e sobre tudo feminista. Membro da National Women's Liberation enquanto morava nos EUA.
Ana Beatriz Duarte: Graduação em Jornalismo (UFRJ) e Mestrado em História Social da Cultura (PUC-Rio).
[8]https://bit.ly/2NZ1i1v https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3617953
[10]Research: Women Score Higher Than Men in Most Leadership Skills
[13]https://www.eleicoes.mai.gov.pt
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